6/17/2011

RETROSPECTIVA: MOSTRA DE CINEMA MOBY DICK


Durante os oito dias da Mostra de Cinema Moby Dick, e pela sempre eficaz influência da Sétima Arte, Ponta Delgada reflectiu sobre o tema da imigração através de seis obras que, da ficção ao documentário, abriram alas ao debate, um melhor e maior conhecimento sobre o assunto e o usufruto de uma programação sem qualquer desequilíbrio de qualidade.

SEM NOME (2009, Cary Fukunaga), O VISITANTE (2007, Thomas McCarthy), ILHA DA COVA DA MOURA (2010, Rui Simões), BAB SEPTA (2008, Frederico Lobo e Pedro Pinho), NESTE MUNDO (2002, Michael Winterbottom) e DO OUTRO LADO (2007, Fatih Akin) representam visões díspares acerca de um dos comportamentos mais antigos da Humanidade: o desejo de uma vida melhor longe do nosso lugar de nascimento. Contudo, é impressionante como estes seis títulos partilham algumas particularidades inerentes ao fenómeno da imigração, os quais abaixo se pormenorizam:

. VIAGENS ARRISCADAS

O caminho para "melhores e venturosas paragens" é sempre longo, arriscado e de sucesso ambíguo. SEM NOME e NESTE MUNDO dedicam muito dos seus argumentos ao aspecto da viagem, salientando os perigos — alguns conscientes, outros inesperados — que milhares de pessoas escolhem percorrer para fugir a contextos sociais e económicos (nos filmes referidos, América Central e Paquistão respectivamente) desfavorecidos.

NESTE MUNDO

Mas é a visão da realidade que causa maior impressão no espectador. Neste sentido, o documentário BAB SEPTA — para mim, o melhor título exibido durante a Mostra — traça o drama humano daqueles que, enquanto escrevo estas palavras, procuram entrar, nomeadamente por mar e a todo o custo, na Europa a partir do Norte de África: o retrato de uma verdade pragmática que vai para além do simples registo do quotidiano do refugiado/deportado.

BAB SEPTA

. LEI E ORDEM DUVIDOSAS

O estatuto e tratamento da figura do imigrante ilegal, sobretudo nuns Estados Unidos da América que ainda não se revelaram capazes de enfrentar o pós-11 de Setembro sem sentimentos de ira e/ou paranóia que afasta, ideológica e burocraticamente, indivíduos originários da África subsariana ou do Médio Oriente, constitui tema fulcral de O VISITANTE.

O VISITANTE

SEM NOME revela a permissividade, disfarçada de zelo e cumprimento administrativos, da maioria das autoridades fronteiriças da América Latina — e, na minha opinião, este foi o filme que levou mais longe (embora de forma implícita) a dualidade imigração/criminalidade, ao tornar protagonista o gang Mala Salvatrucha, que proliferou ao longo do centro e sul do continente americano exactamente pelo célere e descuidado sistema de repatriamento norte-americano...

SEM NOME

Mas o panorama legal em torno dos fenómenos imigratórios não se resume apenas à deportação — BAB SEPTA revela a violência que os governos de países como Espanha ou Itália adoptaram (desde o arame farpado até ao recurso a armas de fogo) para impedir a entrada de imigrantes ilegais nas suas fronteiras.

. CHOQUE CULTURAL

O mundo encontra-se em irreversível globalização, a coexistência de diversas nacionalidades e culturas num mesmo perímetro inevitável. DO OUTRO LADO aprofunda, como nenhum outro título da Mostra Moby Dick, o distanciamento psicológico e geracional dos residentes num contexto totalmente discrepante às suas origens (a saber, a comunidade turca na Alemanha, o tema predilecto de Fatih Akin).

DO OUTRO LADO

Este género de realidades encontra-se bem perto da nossa, tal como o documentário ILHA DA COVA DA MOURA prova ao analisar, de forma surpreendentemente lúdica e despretensiosa, como a comunidade cabo-verdiana de um dos maiores bairros da Amadora lida, diariamente, com a pobreza, estigmas sociais e preconceitos raciais.

ILHA DA COVA DA MOURA

Em suma, a imigração assume-se como tema cinematográfico perturbador, pessimista e intimidatório. A abordagem formal, no caso da ficção, revela-se maioritariamente semi-documental e possui evidente, mas necessário, poder de choque junto do espectador. E como se trata de um assunto que raramente é prioritário para decisores políticos, o Cinema — e, por associação directa, a Mostra de Cinema Moby Dick, acabada de perfazer a sua segunda edição — demonstra-se feliz no "acordar" de consciências sobre a imigração.

Samuel Andrade.

Nota: este texto reflecte apenas a opinião do autor, não representando a visão geral do 9500 Cineclube.

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