5/31/2011

DURANTE O FIM — O Dia Seguinte


Documentário introspectivo, existencialista e hipnótico, DURANTE O FIM acompanha os ideais criativos de Rui Chafes num estilo quase experimental que mistura a solidão do artista na sua oficina, soldando e perfurando aço, com a poesia de Heinrich von Klein e trechos do ANDREI RUBLEV de Tarkovsky para nos colocar na mente de um indivíduo em pleno processo criativo.

O peculiar formalismo de João Trabulo é, sem dúvida, o principal motivo para lhe dedicarmos uma hora e dez minutos do nosso tempo. Aparentemente direccionado para quem está familiarizado com a obra do escultor visado, poderá tornar-se quase impenetrável para os desconhecedores, mas a sua sensibilidade cinematográfica, irresistível no modo como utiliza a luz e distorce o som, oferece ao espectador o desejo de permanecer até ao final e, talvez, abrir caminho à descoberta de como se expressa Rui Chafes... o qual demonstra-se melhor criador do que narrador de documentários: a sua voz-off, monocórdica e com raciocínio pejado de paradoxos, constitui um ponto mais negativo do que a já referida ausência de contextualização sobre o seu percurso.

Um projecto de fragmentado resultado, mas que desperta a atenção para o potencial de João Trabulo.

Samuel Andrade.

Nota: este texto reflecte apenas a opinião do autor, não representando a visão geral do 9500 Cineclube.

5/30/2011

SESSÃO 69

::: CICLO ARTES PLÁSTICAS :::

DURANTE O FIM, de João Trabulo


DURANTE O FIM é uma viagem ao universo artístico, interior e secreto do escultor Rui Chafes.

No atelier, território de eleição do artista, percebe-se como tudo acontece: do barulho das máquinas ao silêncio que envolve a concepção e idealização de cada escultura, surgem sons, imagens e vozes de outros tempos.

Hoje, pelas 21h30, no Cine Solmar.

5/24/2011

A OITAVA COR DO ARCO-ÍRIS — O Dia Seguinte


No panorama contemporâneo da produção cinematográfica brasileira, onde predomina a denúncia à miséria e violência urbanas (CIDADE DE DEUS, 2002), retratos acusatórios da corrupção que grassa na política, lei e comunicação social (TROPA DE ELITE, 2007) ou biografias sobre personalidades da História recente do Brasil (LULA, O FILHO DO BRASIL, 2009), surpreende pela positiva encontrar um título que invoque a vivência da humanidade rural, estimule a sensibilidade do espectador e constitua exercício absolutamente neo-realista sem pretensões que não seja as de explanar, narrativa e visualmente, uma história totalmente simples.

A OITAVA COR DO ARCO-ÍRIS revela-se uma descoberta, apenas e sobretudo, por fugir à "conjuntura" acima descrita. O argumento pode estar pejado de lugares-comuns, a fotografia é quase banal, a resolução da história ocorre de forma extemporânea e existem situações que poderíamos jurar já ter visto em dezenas de outras obras, mas excede em desafiar o espectador a encontrar o que não está imediatamente à superfície.



Elaborando um óbvio contraste entre a cidade e o campo, a viagem de Joãozinho a Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, para vender a cabrita de estimação e, com esse dinheiro, adquirir os medicamentos que aliviem a enfermidade da sua avó, mais não é do que um pretexto para Amauri Tangará sublinhar a ingenuidade e emocionalidade que ainda determinam a existência de muitos indivíduos num planeta demasiado racional e globalizado.

Apesar do aparato pouco sofisticado, A OITAVA COR DO ARCO-ÍRIS destaca-se pela sua banda sonora apelativa e pela interessante mise-en-scène das sequências situadas em Cuiabá, nomeadamente o facto de Joãozinho ser quase exclusivamente filmado à distância, ou em expressivos picados e contra-picados, numa evidente vontade de salientar o deslocamento do protagonista face à urbe que o envolve.



Por vezes, menos é mais. E, nesse particular, é impossível negar o charme muito próprio de A OITAVA COR DO ARCO-ÍRIS, merecedor de atento visionamento.

[As duas curtas-metragens, também de Amauri Tangará e ontem exibidas pelo 9500 Cineclube, reforçam alguns dos elementos presentes em A OITAVA COR DO ARCO-ÍRIS. HORIZONTEM e, sobretudo, POBRE É QUEM NÃO TEM JIPE são peças de imenso humanismo devidamente acompanhas pela fascinante paisagem natural do Mato Grosso.]

Samuel Andrade.

Nota: este texto reflecte apenas a opinião do autor, não representando a visão geral do 9500 Cineclube.

5/23/2011

SESSÃO 68

::: 3 FILMES DE AMAURI TANGARÁ :::


POBRE É QUEM NÃO TEM JIPE
(Brasil, Ficção, 1999, 22’)

Realização: Amauri Tangará

Interpretação: Diego Borges, Danilo Pereira, Alda Regina
Elenco: Diego Borges, Danilo Pereira, Luana Feltrin, Alana Moraes
Fotografia: Mauro Pinheiro
Montagem: Flávio Zettel
Música: Alcemar Mattos e Júlio Cezar.

SINOPSE:
A história de um menino que sonhava em conhecer o outro lado dos horizontes.
E descobre o significado de "pobre"...

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HORIZONTEM
(Brasil, Ficção, 2008, 15’)

Realização: Amauri Tangará

Interpretação: Vera Capilé, Júlio Carcará, Tuka Calgaro, Rafael Mendes
Fotografia: João Carlos Bertoli
Som: Yuri Kopcak
Montagem: Bruno Correia
Música: João Pimentel

SINOPSE:
O Futuro manda notícias.

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A OITAVA COR DO ARCO-ÍRIS
(Brasil, Ficção, 2004, 80’)

Realização: Amauri Tangará

Interpretação: Diego Borges, Izabel Serra (Belinha), Waldir Bertúlio e Renan Dimuriez
Fotografia: André Luis Cunha
Montagem: Flávio Zettel
Música: Fabrício Carvalho

SINOPSE:
Na pequena vila de Nossa Senhora da Guia, vive o menino Joãzinho, criado pela avó dona Didinha, que o adotou depois que seu pai desapareceu num garimpo e sua mãe foi parar num bordel. Muito doente, a velha Didinha sustenta o neto com a mísera aposentadoria que recebe. Uma noite Joãzinho desperta com as orações de sua avó pedindo a Deus que a leve embora, pois não suporta mais as dores que sente e a falta de condições para comprar remédios que a aliviem. Ao ouvir isso, Joãzinho toma uma importante decisão: vender "mocinha", sua cabrita, o único animal de estimação que possuía e com o dinheiro comprar os remédios que sua avó necessita.
Clandestinamente leva a cabrita para a capital, sem conhecer nada nem ninguém passa por todo tipo de aventuras e descobre o lado duro de uma cidade grande, que contrasta com sua ingenuidade de menino nascido e criado no bucolismo saudável de uma pequena vila do rio acima.

5/17/2011

CEREJEIRAS EM FLOR — O Dia Seguinte



Quando o quarto de hora final de um filme o resgata, visual e emocionalmente, da mediania, só nos resta questionar porque motivo Doris Dörrie (com todos os "trunfos" em seu poder) não transformou este CEREJEIRAS EM FLOR, terna história sobre remorso e compreensão intercultural, em algo de surpreendente e inesquecível.

No seu centro, temos um casal alemão e provinciano de terceira idade que enfrenta a morte, um em perspectiva, outro materialmente, procurando reatar com os filhos entretanto distanciados afectiva e geograficamente. E é neste simples conceito, o qual não pormenorizarei em prol dos que nunca viram o filme, que Dörrie não evita uma série de lugares comuns narrativos — a doença incurável mas livre de sintomas que tão frequentemente afectam personagens de filmes — e a resolução abreviada de situações — sobretudo, o drama e choque de gerações do argumento — que o espectador menos indulgente poderá considerar difícil de "encaixar".



Do mesmo modo, os seus temas e metáforas mostram-se longe de serem subtis, e os ritmos emocionais não ficariam deslocados num drama televisivo (não por acaso, o background de Doris Dörrie). Existem demasiadas explicações: podemos compreender a beleza transitória da flor de cerejeira sem que nos falem sobre o seu estatuto de «símbolo de efemeridade», e as moscas que servem função similar não necessitavam de esvoaçar constantemente.

Todavia, no que lhe falta em subtileza, Dörrie compensa com uma nítida e bem conseguida preocupação visual, nomeadamente quando a acção de CEREJEIRAS EM FLOR transita para o Japão. É neste cenário, onde existem mais contrastes culturais por metro quadrado do que em qualquer outro lugar no mundo, que o filme consegue mover o espectador sem parecer forçado nem demasiado melodramático. Uma particular sequência, com o Monte Fuji em pano de fundo, representa um dos clímaxes românticos mais inesperados e comovedores que pude observar recentemente.

Apesar dos seus elementos menos perfeitos, CEREJEIRAS EM FLOR merece atenta visualização.

Samuel Andrade.

Nota: este texto reflecte apenas a opinião do autor, não representando a visão geral do 9500 Cineclube.

5/16/2011

SESSÃO 67

::: CICLO CINEMA NO FEMININO :::

CEREJEIRAS EM FLOR, de Doris Dörrie


A história de uma amor abnegado e de uma viagem poética até ao fundo do ser: só Trudi sabe que o marido, Rudi, sofre de cancro em fase terminal. Quando o médico propõe que os dois façam uma derradeira viagem juntos, Trudi convence o marido a irem visitar os filhos e os netos em Berlim. Mas estes estão demasiado atarefados com as suas próprias vidas para se ocuparem com eles.

Depois de assistirem a uma representação de um dançarino de butoh, Trudi e Rudi viajam para o Mar Báltico, onde se instalam num hotel. Aí, Trudi morre subitamente. Rudi fica completamente desorientado, sem saber o que fazer à sua vida. Até que decide viajar para o Japão, para se encontrar com Karl, o seu filho mais novo.

A realizadora alemã Doris Dörrie não poupou esforços para que CEREJEIRAS EM FLOR se tornasse um filme belo, delicado e, ao mesmo tempo, impactante.



Hoje, pelas 21h30, no Cine Solmar.

5/10/2011

A BOCETA DE PANDORA — O Dia Seguinte


Um autêntico «filme freudiano» — se tal género existisse, este título situar-se-ia entre os exemplos obrigatórios para a sua compreensão —, G.W. Pabst regista o percurso de Lulu (Louise Brooks), um ser absolutamente sexual que oscila entre o passivo objecto de desejo e a activa sedutora com plena confiança dos seus instintos, para ilustrar os conceitos da Psicanálise que nos finais dos anos 20, sobretudo através do Surrealismo, começaram a dominar e influenciar variadas manifestações artísticas (no Cinema, um ano antes, Man Ray realizara L’ÉTOILE DE MER e, em 1929, Buñuel escandalizava Paris com UN CHIEN ANDALOU).

Contextos históricos e artísticos à parte, A BOCETA DE PANDORA disseca as inconsciências de amor, luxúria, traição, inveja e homicídio, centrando-se, de forma consciente, nos podres e baixios das relações humanas. Para tal, temos a referida protagonista como catalisadora da libido masculina em todas as suas expressões: Ludwig Schön, o ilustre editor de um jornal, deixa-se seduzir e arruinar, social e fisicamente, por Lulu; o filho dele, Alwa, não é capaz de esconder o amor que sente pela antiga amante do pai e foge com ela para também enfrentar um destino infeliz; a Condessa Geschwitz — segundo alguns autores, "a primeira personagem assumidamente lésbica" da Sétima Arte — dança apaixonadamente com Lulu e ignora a sua auto-estima para lhe demonstrar a sua atracção; e até Jack, O Estripador hesitará na sua presença, antes de agarrar na faca e cometer o género de crimes pelos quais se notabilizou.



Em A BOCETA DE PANDORA, é clara a associação entre sexo e morte, seja ela literal ou metafórica, que o argumento subentende. Este facto, para além de (novamente) invocar os escritos de Freud, justifica o apelo ao mito grego da caixa que, depois de aberta, soltaria todos os males do mundo para caracterizar a protagonista, pois é devido ao seu comportamento "afoito" e ambíguo que a tragédia toma conta do filme. Mas, na História do Cinema, estamos perante uma femme fatale muito peculiar: embora exiba todos os traços dessa personagem-tipo, Lulu é-o mais por acidente do que por determinação, circunstância que levará não só à devastação daqueles que a rodeiam como também à sua própria morte.

[Existem aqui outras e inúmeras personificações de conceitos psicanalíticos que, por si só, dariam um texto muito exaustivo. Contudo, não resisto a realçar aquele casino de "devassos costumes" no interior mais recôndito do barco onde Lulu e Alwa se refugiam, como uma genial analogia ao id ou, segundo Freud, a zona da psique humana onde a moral e as regras da sociedade não encontram lugar e situado nas "profundezas" do cérebro.]



O mérito dessa caracterização tem o nome de Louise Brooks, actriz americana sobre a qual Henri Langlois, o histórico director da Cinemateca Francesa, escreveu que "ninguém poderá esquecê-la depois de a ver" e que G.W. Pabst resgatou de uma condenada carreira nos Estados Unidos. Com o seu aspecto de coquette infantil mas munida de sorriso irresistivelmente lascivo e método de interpretação extremamente actual, Brooks continua a deixar marca indelével nos espectadores, sobrepondo-se aos dominantes chiaroscuro e expressionismo formal que A BOCETA DE PANDORA, enquanto produção alemã dos anos 20, inevitavelmente exibe.

Na sua data de estreia, foi completamente arrasado pela crítica. Hoje, trata-se de um clássico obrigatório, com um ícone do cinema mundial à frente do elenco, e digno de acolhimento público.

Samuel Andrade.

Nota: este texto reflete apenas a opinião do autor, não representando a visão geral do 9500 Cineclube.

5/09/2011

SESSÃO 66

::: CICLO HISTÓRIA DO CINEMA :::

A BOCETA DE PANDORA, de G. W. Pabst



A bela e sensual Lulu (Louise Brooks) é amante de Peter Schön (Fritz Kortner), um viúvo rico. Quando este lhe anuncia que se vai casar com uma mulher respeitável, Lulu mantém-se imperturbável, mas começa desde logo a fazer planos para destruir esse noivado. Lulu acaba por conseguir o que quer, mas o casamento com Schön abre caminho para uma descida aos infernos, não havendo, para um como para outro, qualquer hipótese de redenção.

A BOCETA DE PANDORA é uma das obras-primas da Sétima Arte, tendo imortalizado a actriz Louise Brooks e o realizador austríaco Georg Willhelm Pabst como estrelas maiores do cinema mudo.



Hoje, pelas 21h30, no Cine Solmar.

5/03/2011

A CIDADE DOS MORTOS — O Dia Seguinte


Não é difícil apelidar o registo filmado do quotidiano de uma “cidade” que se formou no interior de uma necrópole do Cairo como irresistível. E o realizador não esconde o seu fascínio por este microcosmos onde, como em qualquer urbe dita vulgar, as pessoas amam, rezam, consomem, aspiram, discutem, brincam e, numa circunstância inevitavelmente derivada do seu contexto geográfico, planeiam a construção do próprio túmulo.

Esse mesmo fascínio é partilhado com o espectador pelos testemunhos e convivência diária dos habitantes da Cidade dos Mortos captados pela câmara de Sérgio Tréfaut, através da exibição de uma série de situações que oscilam entre o enternecimento, o inusitado e o burlesco — o teatro de fantoches que “chega à cidade” ou as tácticas de engate engendradas por três jovens egípcios constituem os melhores desses momentos — sem a ambição de observação social nem de traçar perfis desses indivíduos.



Contudo, na brevidade dos seus 60 minutos de metragem, permanece a impressão de existir ainda muito por contar sobre um local que se estende por mais de dez quilómetros e ao qual Tréfaut dedicou cinco anos de trabalho. A CIDADE DOS MORTOS acicata a nossa curiosidade, mas não se revela como filme de promoção turística. Deseja-se apreciar o que mais esconde esta peculiar localidade, quantas outras histórias pululam entre os que optaram, ou se viram forçados, a experimentar a vida lado a lado com os túmulos de desconhecidos.

Apesar desse défice de contextualização e detalhe, encoraja-se a sua visualização. É certo que ninguém sairá desiludido.

Samuel Andrade.

Nota: este texto reflete apenas a opinião do autor, não representando a visão geral do 9500 Cineclube.

5/02/2011

SESSÃO 65

::: ESTREIA :::

A CIDADE DOS MORTOS, de Sérgio Trefaut


A Cidade dos Mortos, no Cairo, é a maior necrópole do mundo.
Um milhão de pessoas vivem dentro do cemitério — em casas tumulares ou nos edifícios que cresceram em redor. Dentro do cemitério há de tudo: padarias, cafés, escolas para as crianças, teatros de fantoches...

A Cidade dos Mortos estende-se por mais de dez quilómetros ao longo de uma auto-estrada, mas não deixa de ser uma aldeia, com mães à caça de um bom partido para as filhas, rapazes a correr atrás das raparigas, disputas entre vizinhos.

Preparado e rodado ao longo de cinco anos (2004-2009), este filme procura dar a ver a alma invisível do cemitério.



Hoje, pelas 21h30, no Cine Solmar.

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