NO INVERNO HÁ UM ANO é mais do que a história de uma família que procura reconciliar-se com uma tragédia ainda fresca na memória de todos os seus membros. A partir do seu argumento, surpreendentemente simples e directo para uma narrativa onde o flashback marca presença e o momento presente das personagens está indelevelmente vincado pelo seu passado, é possível extrair uma significativa mensagem sobre o desejo humano de compreender e extravasar a "capa" que se enverga para lidar com sentimentos de (neste caso em específico) perda, culpa e expiação.
Um ano depois do suicídio de Alexander, um sereno e afável jovem de 19 anos, a sua mãe, Eliane, encomenda a Max, pintor de renome, um quadro que reúna a imagem do adolescente com a sua irmã Lilli. Inicialmente reticente em fazer parte de tão mórbido retrato, criticando o carácter meramente decorativo que se pretende associar à morte do irmão, Lilli desenvolve uma ligação emocional com o artista, homem isolado do resto do mundo mas o único que será capaz de ver para lá da atitude resiliente que ela ostenta teimosamente.
Mas NO INVERNO HÁ UM ANO é o género de filme que se torna mais satisfatório se o espectador pouco ou nada souber acerca dele. Os pormenores — desde a causa da morte de Alexander até aos fantasmas interiores que Max alimenta — são vagarosamente revelados durante o decurso da narrativa, ou seja, a informação é-nos disposta em "camadas". O recurso a esta palavra ganha maior sentido se atentarmos à composição formal empregue por Caroline Link: as variações de contrastes salientados nas sequências registadas em profundidade de campo, o realce de pormenores obtidos através do que está ou não focado e, amiúde, as personagens são filmadas atrás de superfícies espelhadas.
Fica, assim, saliente a vontade de explorar a essência encoberta e o anseio de erguer barreiras muitas vezes inerente à personalidade humana, encerrada (lá está) em camadas. Também a resolução de sentimentos das personagens de NO INVERNO HÁ UM ANO, sem excepção, só se expressa sob a forma de meios não-verbais: no quadro em si, em fotografias, em processadores de texto e, na sequência mais marcante do filme (ao som de Peter Gabriel), através da dança. Caroline Link prova assim que, em Cinema, os argumentos visuais conseguem ser mais importantes que os escritos...
Nota final para o desempenho de Karoline Herfurth (a maioria dos espectadores talvez se recorde dela em O PERFUME — HISTÓRIA DE UM ASSASSINO, de Tom Tykwer) no papel de Lilli. Numa composição de simultânea pujança e fraqueza que tanto provoca perturbação como decepção, não deixamos, nem por um instante, de simpatizar com tão titubeante personagem.
Um profundo e sincero melodrama, ausente de clichés e dificilmente comparável a outros títulos, que merece ser visto.
Samuel Andrade.
Nota: este texto reflete apenas a opinião do autor, não representando a visão geral do 9500 Cineclube.
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