6/26/2010

LIVRO VERDE DAS INDÚSTRIAS CULTURAIS E CRIATIVAS

Foi o 9500 Cineclube, de Ponta Delgada, amavelmente convidado, e muito agradecemos esse convite, para apresentar uma reflexão e consequente proposta sobre a situação e perspectivas das indústrias culturais e criativas na Região, sob o seu ponto de vista, naturalmente.

No entanto, é preciso que se diga, em primeiro lugar e antes de mais, que na própria definição do chamado “livro verde” se incorre, ainda que de forma camuflada, numa espécie de “pecado original” que tem servido para confundir e agrupar actividades que são, por natureza, diferentes, num mesmo “saco”, viciando e mistificando qualquer apreciação que se possa fazer do “estado geral” da cultura entre nós.

Não dispomos de muito tempo e vamos, portanto, afirmar apenas que as actividades culturais, propriamente ditas, e as actividades, criativas ou não (essa é outra discussão), de animação e entretenimento, são distintas pelas mais variadas razões: desde já pelas preocupações inerentes a umas e a outras; pelos seus diferentes objectivos; e pela sua própria natureza e modus operandi. Isto parece-nos evidente e não iremos elaborar mais sobre este assunto remetendo quaisquer dúvidas que possam existir para o debate que, esperamos, seguirá estas apresentações.

Passando então àquilo que nos parece dever ser o tema desta discussão, temos de começar por dizer que a cultura (industrial, ou não) se encontra entre nós em situação muito precária pese embora o surgimento nos últimos anos de várias associações que desenvolvem uma actividade organizada e, em alguns casos, bastante dinâmica, que antes existia apenas de forma esporádica e pontual. É também de reconhecer o investimento da Região em infra-estruturas culturais que, de alguma forma, têm contribuído para esta dinâmica, sobretudo através de uma, relativamente recente, atitude de abertura à sociedade civil.

Esta actividade, contudo, não invalida o facto de ainda (embora queiramos acreditar que este encontro possa constituir um passo significativo nessa direcção), o facto de ainda, dizíamos, não existir uma política e uma estratégia da Região que visem promover a actividade regular de artistas e agentes culturais nos Açores; que visem formar novos artistas através da aprendizagem de técnicas e correspondente enquadramento teórico facilitando o contacto com os seus pares oriundos de outras regiões (ultraperiféricas ou não); que visem a criação e verdadeira formação de novos públicos para as diferentes áreas de criação artística; que visem possibilitar a regular e condigna apresentação da produção cultural da Região nas 9 ilhas dos Açores bem como no exterior; que visem formar técnicos em áreas complementares à produção cultural; etc.

Ou seja, não só os nossos pintores, escultores, fotógrafos, coreógrafos, bailarinos, realizadores, encenadores, actores, escritores (sejam eles poetas, romancistas ou dramaturgos), mesmo os nossos músicos, embora aqui a situação seja um pouco diferente, ou não se formaram na Região ou são auto-didactas com deficiências na sua formação, como também não encontram na Região quem lhes saiba manusear e montar as peças para uma exposição, iluminar essas mesmas peças de forma profissional, construir os cenários e criar um guarda roupa ou a caracterização de que precisam em complemento à sua arte, entre outras situações que poderíamos também referir.

Procura-se muitas vezes camuflar a falta de um verdadeiro investimento na formação e na actividade regular com investimentos de “encher o olho” ignorando que sem fundações sólidas e adequadas qualquer estrutura, por mais vistosa e grandiosa que possa ser, acaba por não se. Assim nasceu o CCB num país que não tinha na altura sequer livros disponíveis nas escolas, (e a nível regional) assim temos um Teatro Micaelense que não tem uma companhia de teatro residente e agenda quase exclusivamente “produtos ready made” importados do exterior, salvo poucas e honrosas excepções. Também nesta óptica se tem falado ultimamente de, não um, mas dois centros de arte contemporânea para São Miguel, como se com isso se pudesse esconder a escassa produção local neste campo e a insuficiência de incentivos nesta área.

Não se quer com isto significar que não é importante tornar acessível ao público local aquilo que se vai fazendo fora, seja no continente ou no estrangeiro, sobretudo se tal programação corresponder a critérios e políticas claras e definidas. Claro que é! Mas não basta!

Esta é apenas uma componente daquilo que deve ser uma verdadeira política cultural, que tem que assentar, acima de tudo, numa real actividade de base em que se forma e dá condições de trabalho a todos os intervenientes no processo criativo.

É por isto mesmo que iniciativas como o LabJovem reflectem esta lacuna. As dificuldades dos júris em atribuir os prémios têm sido disso prova cabal!

Variadas poderão ser as possíveis abordagens: criação de fundos de capital criativo; apoios à circulação de obras e autores; o facto de o desenvolvimento das indústrias culturais e criativas não ser um assunto exclusivo da Cultura mas poder, e dever, integrar a Economia, a Ciência e Tecnologia e a Educação…

Pela parte que nos toca, e neste contexto pouco animador, pensamos ser absolutamente prioritário a criação de uma, duas ou mesmo três, escolas profissionalizantes (à semelhança da Restarte, da ETIC ou da Oficina em Famalicão, por exemplo) que possam formar artistas e técnicos nas diferentes vertentes da produção cultural, dando-lhes equivalência ao 12º ano de escolaridade mas privilegiando inequivocamente a vocação artística dos seus currículos e dos seus alunos, conforme as áreas de formação incluídas na Reforma do Ensino Profissional instituída pelo Decreto-Lei 74/2004: Artes do Espectáculo; Audiovisual e Produção dos Media; e Design.

O 9500 Cineclube, de Ponta Delgada, propõe, então, uma escola, pública ou privada, onde se formem realizadores, cinematógrafos, actores, iluminadores, maquinistas, produtores, caracterizadores, figurinistas, argumentistas, montadores, enfim, todas as profissões relacionadas com o cinema e o audiovisual, da qual sairiam profissionais capazes de integrar o mercado de trabalho, e aqui, para além da televisão regional que está neste momento a ser posta em causa mas cujo futuro deve ser defendido e garantido, deverá ser promovida a produção regional pois, a par de outras artes, o cinema e o audiovisual em geral são uma manifestação essencial da identidade de um povo, do seu posicionamento no mundo e da sua percepção de si próprio e daquilo que o rodeia. Não sendo esta uma escola superior de cinema, poderia formar técnicos bem apetrechados para toda uma série de profissões associadas ao cinema e ao audiovisual criando uma nova geração apta a estagiar e, mais tarde, integrar de pleno direito qualquer equipa a trabalhar em Portugal ou no estrangeiro.

Esta escola, direccionada exclusivamente para esta área de actividade cultural ou integrando outras “artes”, seria uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento da actividade cultural na Região, contribuindo para o aparecimento de novos criadores, profissionais ligados ao sector e novos públicos.

…Até porque, e tal como aconteceu noutras pequenas cidades do país, será o ensino artístico que poderá dar o necessário impulso para o futuro dos Açores como Região Criativa.


* Texto lido por João da Ponte na sessão pública de discussão e apresentação de contributos para o Livro Verde - Realizar o Potencial das Indústrias Culturais e Criativas, que decorreu no dia 24 de Junho, no auditório da BPARPD.

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