Amores condenados, ego sádico no espírito de pequenos criminosos, disparidades familiares e a "puta de vida" da classe média-baixa em toda a sua rotina e todo o seu sofrimento confluem neste drama que consolida João Canijo como um formidável inovador na observação de hábitos e costumes lusos e, sem dúvida, o melhor contador de histórias no feminino do panorama nacional.
Sem expor um argumento inteiramente original (há muito de, por exemplo, Pedro Almodóvar e Mike Leigh na narrativa de SANGUE DO MEU SANGUE) nem desejando formular qualquer tipo de denúncia económico-social, Canijo aposta no realismo de cenários e personagens inserido na artificialidade de minuciosos planos-sequência e num espantoso trabalho de sonoplastia que, muitas vezes, apresenta ao espectador três situações — naquilo que não resisto em apelidar de "tridimensionalidade de som" — a decorrer, em simultâneo, na mesma meia dúzia de metros quadrados.
Este é o grande ponto forte de SANGUE DO MEU SANGUE. A colocação de diversas acções principais num segundo plano visual e sonoro está longe de se afigurar como mero exercício de estilo; avisa-nos, isso sim, dos segredos escondidos à superfície desta realidade que o argumento se encarregará de revelar. E, logo descobertos, a mise-en-scène transfigura-se completamente: de súbito, multiplicam-se os close-ups e as cenas filmadas com câmara ao ombro até à precipitação dos dois dramas cimeiros de SANGUE DO MEU SANGUE, ou para a semi-tragédia ou na opção pela manutenção de uma qualidade de vida que, embora arredada do ideal, não se deseja pior.
SANGUE DO MEU SANGUE pertence, brilhante e irremediavelmente, às suas actrizes: impecáveis Rita Blanco (numa versão emancipada da sua Margarida Lopes na série televisiva CONTA-ME COMO FOI), Anabela Moreira e Cleia Almeida, sem temor do reconhecimento de culpa nem da humilhação perante um elenco masculino muito eficaz na composição de homens com "h" pequeno...
É o melhor filme português estreado em 2011 — e pelo contexto temporal, dificilmente será destronado de tal estatuto. Se é "obra-prima" ou "o filme que reconciliará o público português com o o seu Cinema", só o tempo o dirá. Mas, pessoalmente, espero que o veredicto seja positivo. Obrigatório.
Samuel Andrade.
Nota: este texto reflecte apenas a opinião do autor, não representando a visão geral do 9500 Cineclube.
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